A direita na Europa e os pretensos marxistas

Michael Löwy é considerado por muitos como um marxista. Acaba de publicar “Dez teses sobre a ascensão da extrema direita europeia”, na Folha de SP. Neste artigo Löwy aparece como assustado e “moderno” ao mesmo tempo. Nos dois casos, nada tem a ver com o marxismo.

Michael Löwy, brasileiro, radicado na França, é considerado por muitos como um dos “marxistas de nosso tempo”. Então, quando ele escreve “Dez teses sobre a ascensão da extrema direita europeia” e tem este artigo publicado na Folha de São Paulo devemos prestar um pouco de atenção ao que ele diz e escreve, ainda que o que ele escreva esteja muito distante do marxismo.

Marx e Engels escreveram no “Manifesto do Partido Comunista” – A história é a história da luta de classes. Assim, Michael Löwy procura explicar através da análise de classes a “ascensão da extrema direita”. Mas, e o problema todo está ai, realmente Michael entendeu a luta de classes que se desenvolve na Europa?

Ele começa com uma advertência sobre os resultados das eleições europeias – a extrema direita ultrapassou o seu “normal” de 10% a 20% dos votos e chegou a atingir até 30% dos votos! Um alarme precisa ser soado, faltam cinco minutos para a meia noite (Michael Löwy). Na segunda tese, ele constata que são partidos “extremamente diferentes” (sem explicar por que são diferentes) e se reúnem em torno de teses comuns – “nacionalismo chauvinista, a xenofobia, o racismo, o ódio aos imigrantes – sobretudo os “extra-europeus” – e os ciganos (o povo mais velho da Europa), a islamofobia, o anti-comunismo. A isto pode-se acrescentar, em muitos casos, o anti-semitismo, a homofobia, a misoginia, o autoritarismo, o desprezo pela democracia, a eurofobia”.

Mas é na terceira tese que Michael se perde – ao dizer que o fascismo comporta coisas muito diferentes como os casos Italianos e alemão, mas também o franquismo na Espanha e a ditadura de Salazar em Portugal. Na verdade, ele se perde exatamente por achar que toda ditadura é fascista, o que é um erro grande. O fascismo é um tipo particular de regime que não se encontra sempre e que é – sempre – um anteparo em último caso contra a revolução operária. E o fascismo não se faz sem uma reorganização geral do esquema de dominação burguesa, o que não se faz sem cortes e lacerações de todo o tipo. Em outras palavras, a burguesia tem que estar muito desesperada para jogar a cartada fascista.

Leon Trotsky analisando o fascismo numa série de artigos, publicados no Brasil com a tradução de Mario Pedrosa “Revolução e contra revolução na Alemanha”, explica que o fascismo é um partido especial, criado para enfrentar a revolução, reunindo elementos da pequena burguesia, do lumpen proletariado, desempregados, etc.  (“a poeira da sociedade”) sob a égide do capital financeiro, aquartelados, organizados e armados para os combates de rua e contra toda a forma de organização dos proletariado, sejam anarquistas, socialistas, comunistas ou um simples sindicato.

Na Alemanha, os agrupamentos de combate fascistas são as SA, na Itália os “camisa negras”. Na Itália, de 1919 até 1922 eles se organizam em milícias que percorrem as pequenas cidades, atacando as sedes dos partidos comunistas e socialista, os sindicatos, batendo, quebrando, matando. No final de 1922, eles marcham sobre Roma e o Rei nomeia Mussolini como primeiro-ministro. E o fez porque ele próprio, o Rei, os juízes e a maioria do empresariado aceitava Mussolini exatamente para se contrapor aos comunistas.

Na Alemanha, o partido nazista se organiza da mesma forma, mas é impedido no seu início pela luta dos comunistas que, entretanto, não tomam o poder. A crise e os diferentes governos de 1924 até 1933 refletem exatamente esta situação. E quando se sentem fortes o suficiente, quando a burguesia vê que os governos “democráticos” não conseguem conter mais o operariado, eles entregam o poder a Hitler em 1933. Hitler não contava com a maioria formal do parlamento, mas a burguesia entrega-lhe o governo nomeando-o Chanceler.

Confundir estes casos com as ditaduras de Franco, resultado de um golpe militar contra um governo “democrático”, golpe que levou à uma guerra civil na qual a Alemanha apoiou o golpe sem que as “potencias democráticas” reagissem, porque sabiam o que estava em jogo, é querer exatamente jogar para baixo do tapete o método marxista.

Sim, em qualquer caso trata-se de esmagar os trabalhadores, mas existe uma diferença entre o exército e um partido fascista. Alguém que queira defender-se de um tiro tomando um antidoto contra veneno de cobra não terá exatamente o resultado esperado. Diferenciar os métodos de ataque da burguesia é necessário para saber-se defender. Achar que tudo é fascismo acaba levando a erros profundos. Por exemplo, quando as milícias fascistas ucranianas (milícias treinadas no combate ao governo anterior de Kiev) começam a atacar sindicatos, partidos de esquerda e outros, estamos muito preocupados com o crescimento da “extrema direita” em toda a Europa!

Sim, é verdade. Mas quantas manifestações contra os fascistas ucranianos Michael Löwy e seus aliados da “IV Internacional” organizaram? E eles dispõe de uma grande organização, de vários euro deputados, de vários deputados na França e em outros países, dirigem vários sindicatos, etc. A prova do bolo é comê-lo, já dizem os ingleses, e os amigos de Michael Löwy parecem que não querem comer o bolo da luta concreta contra os fascistas.

A tese 4 é uma bobagem: em todos os países a crise favoreceu a extrema direita e não a extrema esquerda, com exceção da Grécia. Sim, bela constatação. E, por que? Na Grécia os associados de Michael Löwy estavam foram do Syriza. Na França, aonde a candidatura de Mélenchon cresceu, os aliados de Michel Löwy estavam em outra candidatura. Mas, eles eram marginais em relação a estas duas grandes frentes. O problema está e sempre está se a “esquerda” quer ir até o final. Na França, com a vitória do PS, uma parte da Frente de esquerda alia-se ao PS nas eleições seguintes e a outra parte ao PV (que faz parte da coalização governamental). Na Grécia, o Syriza abandona a política de rompimento com a UE por uma política de “negociação”.

Em outras palavras, a classe operária sente-se órfã na política e ou deixa de votar ou uma parte mais desesperada vota na direita. Esta é a chave da situação – os partidos que dizem representar a classe levam uma política contra a sua classe. Ou não foi assim com Holande? Qual o resultado? A direita cresce! E sem necessidade de nenhum bando fascista (afinal a troca de Le Pen pai pela filha tem exatamente este componente, a busca de uma partido de direita não apoiado em milícias, mas organizado “legalmente” no sistema burguês, nem por isso menos de direita, apenas usando o aparato de estado!).

A partir daí, Löwy desespera-se porque as “ideias” da direita, particularmente o racismo, impregnam uma parte da juventude ou inclusive do interior da França que nunca viram um imigrante! Essa é demais! O “interior” da França, o campesinato, sempre foi a reserva da direita contra a esquerda e Löwy seguramente sabe disso. O que temos é a troca do voto na antiga direita (UMP) que já não consegue cumprir seu papel pela nova, Frente Nacional, renovada com a filha no lugar do pai.

A esquerda subestima o papel do “fascismo”? Ora, o problema da “esquerda” é que ela esquece porque é “esquerda”, que ela deveria representar a classe operária e sua luta pelo socialismo, substitui isso por uma série de chavões que nada representam na vida diária dos trabalhadores e quer ainda ser votada!

Ecologia, Sustentabilidade, liberação das drogas, etc. E o emprego, o salário, a previdência social, a saúde, o transporte? Onde ficam? Aonde fica o objetivo concreto de acabar com a burguesia e construir um mundo melhor? Este é o verdadeiro problema e sobre este, Löwy parece ter pouco a dizer.

A tese 9, que reproduzimos abaixo, concentra todos estes erros:

IX. Outra análise “clássica” da esquerda sobre o fascismo é a que o explica essencialmente como um instrumento do grande capital para esmagar a revolução e o movimento operário. Ora, como hoje o movimento operário está muito enfraquecido, e o perigo revolucionário inexistente, o grande capital não tem interesse em apoiar os movimentos de extrema-direita, e portanto a ameaça de uma ofensiva castanha não existe. Trata-se, uma vez mais, de uma visão economicista, que não tem em conta a autonomia própria dos fenómenos políticos – os eleitores podem escolher um partido político que não tenha o favor da grande burguesia – e parece ignorar que o grande capital pode adaptar-se a qualquer espécie de regimes políticos, sem grandes escrúpulos.

Aonde ficaram a primavera árabe, as duas grandes revoluções no Egito? Aonde ficaram as dezenas de greves gerais que a classe operária fez na Grécia? Aonde os grandes movimentos da juventude da Espanha, dos EUA e do Brasil? Marxista de opereta, Löwy só enxerga as eleições e seus resultados, esquecendo exatamente os movimentos da classe operária que se processam apesar e contra os grandes e os pequenos partidos de esquerda. A luta de classes é mais forte que os aparelhos, já disse um grande revolucionário, e se os pretensos marxistas e outros analistas querem esquecer que ela existe a primeira greve dos lixeiros de sua cidade fará com que seus delicados narizes sejam despertados pela crueza da história ao invés de enxergar somente os papeis invertidos depositados em eleições que nada dizem.