A crise grega: o remédio de George Soros – pior que a doença (Parte 1)

Uma análise do drama grego a partir da contraposição da opinião de um dos burgueses mais inteligentes da atualidade.

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29 de junho de 2016

A Grécia está dentro e fora das manchetes de notícias, enquanto outros acontecimentos mais urgentes a empurram para segundo plano, como a presente crise no Oriente Médio ou o risco de um voto pelo Brexit no referendo do Reino Unido sobre a União Europeia, ou o tumultuoso conflito de classes em que está mergulhada a França. No entanto, a Grécia continua a ser o ponto fraco dentro da União Europeia. Sua crise está sendo “administrada”, isto é, adiada, mas o país está se movendo inexoravelmente na direção de uma importante crise que afetará toda a Europa.

Viajei à Grécia no ano passado, em outubro, e outra vez, recentemente, no início de julho. Recolhi anotações de vários aspectos do drama grego em curso e planejo publicá-las nas próximas semanas, sendo esta a primeira entrega.

No início deste ano, The New York Review of Books publicou uma versão revisada de “uma entrevista entre George Soros e Gregor Peter Schmitz da revista alemã Wirtschafts Woche”. A entrevista original em alemão está disponível aqui. A entrevista contém alguns dados interessantes, visto que Soros é um burguês astuto que analisa o interesse da classe a que ele pertence. Muito frequentemente, os mais inteligentes comentaristas burgueses se aproximam das mesmas conclusões dos Marxistas, mas, obviamente, de um ponto de vista diametralmente oposto.

Ao comentar sobre a forma como as autoridades da União Europeia estão administrando a crise, ele assinala que Angela Merkel estava correta ao prever que “a União Europeia está à beira do colapso”. Esta é uma forma danada de otimista para introduzir seus comentários sobre a crise que está pressionando a União Europeia! Ele se refere às autoridades europeias como “aturdidas entre uma crise e outra”, e continua dizendo:

“Esta prática é popularmente conhecida como chutar uma lata ao longo da estrada, embora fosse mais correto descrevê-la como chutar uma bola morro acima e aguardar que ela volte morro abaixo. A União Europeia está enfrentada não somente com uma, mas com cinco ou seis crises ao mesmo tempo”.

Ele, aqui, está se referindo à crise na Grécia, à posição da Rússia e da Ucrânia, ao referendo britânico sobre a possibilidade de permanecer ou sair da União Europeia, à crise da migração e às crises que se avizinham em países como Espanha, Itália e outros.

Ele não faz nenhum reparo em descrever a União Europeia pelo que ela é. Ele explica como ela deveria ser: “A União Europeia foi concebida para ser uma associação voluntária de iguais…” e, em seguida, passa a explicar que a crise do euro “transformou-a em uma relação entre devedores e credores, em que os devedores têm dificuldades em cumprir suas obrigações e os credores estabelecem as condições que os devedores devem cumprir. Esta relação nem é voluntária nem é igual”.

Aqui, ele claramente está descrevendo a relação entre uma economia débil como a da Grécia e o poderoso rolo compressor no coração da UE, a Alemanha. Os eventos dos últimos oito anos demonstram que a Grécia não é absolutamente um parceiro igual dentro da Europa, que seus governos eleitos não são livres para agir como desejam. Os que decidem sobre a política econômica do governo grego estão sentados nos conselhos de administração de bancos alemães, e não nas bancadas do parlamento grego.

Soros juntou um monte de dinheiro em decorrência de seus investimentos ao longo dos anos. Como ele juntou sua fortuna? De acordo com Investopedia:

“George Soros ganhou notoriedade internacional quando, em setembro de 1992, arriscou 10 bilhões de dólares em uma só especulação monetária, ocasião em que ele produziu um curto-circuito na libra britânica. Mostrou estar certo e em um único dia o negócio gerou um lucro de 1 bilhão de dólares – no final, se informou que seu lucro na transação quase alcançou os 2 bilhões de dólares. Em consequência, ele se tornou famosamente conhecido como ‘o homem que quebrou o Banco da Inglaterra’. Soros também é famoso por administrar o Quantum Fund, que gerou um retorno médio anual de mais de 30%, enquanto ele estava no comando. Junto ao famoso negócio da libra, Soros também foi citado por alguns como o ‘gatilho’ por trás da crise financeira asiática de 1997, quando ele fez uma grande aposta contra o baht tailandês”.

Esta é a forma agradável de se dizer que ele é um especulador que faz dinheiro com a desgraça dos outros. Mais uma vez, Investopedia diz o seguinte sobre ele:

“Quando ele se retirou totalmente em 2000, tinha gasto 20 anos especulando com bilhões em dinheiro de outras pessoas, o que o tornou – e a essas pessoas – muito rico através de seu altamente exitoso Quantum Fund. Ele cometeu alguns erros ao longo do caminho, mas seu resultado líquido fez dele um dos mais ricos investidores do mundo na história”.

Na entrevista a The New York Review of Books acima citada, ele explica sua abordagem:

“Uma vez que você está ciente dos riscos, suas chances de sobreviver são muito melhores se você assumir alguns riscos do que se você seguir docilmente a multidão. É por isso que me treinei para olhar o lado escuro. Isto me serviu bem nos mercados financeiros e está me guiando agora em minha filantropia política. Enquanto puder encontrar uma estratégia vencedora, por mais tênue que seja, não me rendo. No risco jaz a oportunidade. Sempre é mais escuro antes do amanhecer”.

Isto revela a verdadeira mente de um especulador capitalista especializado. Ele está disposto a olhar os cenários econômicos mais difíceis, em países com grandes dificuldades, para ver quanto dinheiro pode tirar deles. E é aqui onde o ponto interessante sobre a Grécia entra em sua entrevista. Quando o entrevistador lhe pergunta, “Qual é sua estratégia vencedora para a Grécia? ”, ele honestamente responde, “Bem, não a tenho”.

Ele explica que:

“Quando a crise grega surgiu originalmente no final de 2009, a UE, liderada pela Alemanha, veio em resgate, mas cobrando taxas de juros punitivas pelos empréstimos que ofereceu. É isto que tornou insustentável a dívida nacional grega. E repetiram o mesmo erro nas negociações recentes. A UE queria punir o primeiro-ministro Alexis Tsipras e, particularmente, seu ex-ministro das finanças, Yanis Varoufakis; ao mesmo tempo, a UE já não tinha mais como evitar o default grego. Consequentemente, a UE impôs condições que vão empurrar a Grécia para uma depressão profunda”.

Esta é sua opinião sobre a crise grega, mas significa que ele nunca investiria na Grécia? O entrevistador lhe perguntou, “É a Grécia um país interessante para investidores privados? ”. Sua resposta é muito reveladora. “Não, visto que ela faz parte da Zona do Euro”. Isto não significa que ele nunca investiria na Grécia. Ele explica que, “Com o euro, é improvável que o país floresça, porque a taxa de câmbio é muito alta para que ele se torne competitivo”.

Isto, sem dúvida, faz parte de seu olhar para o “lado sombrio” das situações. O que ele está dizendo é o seguinte. Enquanto a Grécia tentar permanecer no euro, o que significa que não pode desvalorizar sua moeda, nunca será capaz de ser competitiva. Então, sua solução, do ponto de vista de um especulador capitalista, é que a Grécia deixe o euro, retorne ao dracma e permita uma massiva desvalorização de sua moeda. Os trabalhadores se tornariam muito baratos, mas também seu poder de compra seria enormemente reduzido, levando a maiores sofrimentos da classe trabalhadora.

No ano passado, antes do referendo de julho na Grécia, The Huffington Post publicou um artigo, 12 Devastadoras Consequências se a Grécia Retorna ao Dracma. Este é o cenário que retratava:

  1. Rápida desvalorização do dracma contra outras moedas (a taxa pode superar 1.000 dracmas/1 euro). A tentativa de amarrar o dracma ao euro e bloquear a taxa de conversão está condenada ao fracasso (como fracassou no caso da Argentina), por causa da enorme fuga de capitais e do esgotamento das reservas cambiais.
  1. A desvalorização levará à disparada da inflação em níveis iguais ou superiores a 40%, limitando ainda mais o poder de compra dos cidadãos.
  1. A fuga de capitais e um forte aumento dos empréstimos não regulados será o golpe de misericórdia para o débil sistema financeiro do país, que entraria em colapso, “secando” a economia real.
  1. Em tal eventualidade, o congelamento do pagamento de salários e pensões será inevitável durante um tempo até a restauração parcial da liquidez. As consequências da agitação social que se seguirá são imprevisíveis.
  1. O Produto Interno Bruto provavelmente encolherá para cerca de 2/3 do nível atual.
  1. A dívida pública da Grécia totalizando 322 bilhões de euros, aumentará automaticamente dependendo da quantidade da depreciação do dracma, multiplicando nossos empréstimos.
  1. Mesmo que, depois da bancarrota, resulte uma reestruturação parcial da dívida, não será indolor. Ela virá acompanhada por um novo pacote de resgate (agora, somente do FMI) e de medidas de ajuste fiscal muito onerosas.
  1. Haverá um aumento semelhante da dívida privada através da disparada das taxas de empréstimos e depósitos em um esforço para controlar a inflação. Taxas de juros mais altas também irão tornar mais difícil às empresas levantar capital.
  1. Asfixia dos negócios de importação devido ao mercado debilitado, à desvalorização do dracma e à evidente ausência de crédito.
  1. O fracasso das importações trará escassez de artigos essenciais no mercado, uma vez que, como sabemos, a Grécia não é autossuficiente em matérias-primas e satisfaz suas necessidades (por exemplo, trigo, leite, carne) através da importação de países externos.
  1. Invasão de investidores predadores estrangeiros, que adquirirão empresas, propriedades e bens públicos a preços irrisórios.
  1. Isolamento diplomático e econômico da Grécia, que, encontrando-se em situação muito difícil, não será capaz de acompanhar a evolução da situação geopolítica na região, bem como quaisquer desafios por parte de seus vizinhos.

O ponto 11 descreve o que faria os especuladores “predadores” como Soros. Investiriam na Grécia somente quando ela atingisse o fundo do poço. Isto não serve de consolo para quem busca uma solução para os problemas enfrentados pelos trabalhadores gregos, pelos camponeses, pela juventude e pelos desempregados. Significaria um colapso massivo de seus padrões de vida, dos quais somente uma pequena minoria no topo sairia beneficiada. 

Tal cenário desencadearia forças revolucionárias desde baixo e colocaria a luta de classes de volta na agenda de uma forma tal que, possivelmente, não se viu nos dias da Guerra Civil.

Tudo isto, naturalmente, explica porque as autoridades europeias têm, até agora, adotado a política de “chutar a lata ao longo do caminho! ”. A diferença hoje é que a classe trabalhadora grega é muito mais forte do que era no tempo da Guerra Civil. Seu peso específico na sociedade aumentou massivamente e objetivamente o equilíbrio de forças entre as classes nunca foi tão favorável para os trabalhadores. Isto significa que a burguesia tem que tomar cuidado. Isto não significa que a burguesia porá fim a sua incessante pressão sobre a classe trabalhadora grega, e sim que tentará manobrar, aplicando as medidas de austeridade, enquanto, ao mesmo tempo, tentará manter a Grécia flutuando. Contudo, isto não pode continuar para sempre, e mais cedo ou mais tarde todas as contradições subjacentes devem emergir à superfície em uma crise séria e no possível colapso da economia grega. Mas veremos isto mais à frente.

[continuará]

Artigo publicado originalmente em 29 de junho de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Greece in crisis – Part One: George Soros’s medicine – worse than the disease.

Tradução de Fabiano Leite.