A Comuna de Paris

Relembrar o ‘assalto aos céus’ de 18 de Março de 1871 é mais necessário agora do que nunca!

A Comuna de Paris foi um dos episódios mais inspiradores da história da classe trabalhadora. Durante sua vigência, o Estado burguês foi substituído por um novo Estado proletário com seus próprios órgãos de governo. Os trabalhadores lutaram até as últimas conseqüências em condições muito adversas; lutavam pelo fim da exploração e da opressão. As lições da Comuna de Paris são imprescindíveis para aqueles que desejam pôr um fim ao sistema capitalista, que há muito tempo não tem nada a oferecer à classe trabalhadora.

Com o golpe de Estado de Luís Bonaparte em 02 de Dezembro de 1851, as organizações proletárias foram aniquiladas e levadas à clandestinidade, o regime parecia invencível. Porém no final da década de 1860, com a estagnação econômica e o fortalecimento do movimento operário, o regime encontrava-se em decadência. Somente uma guerra, com êxito imediato, poderia dar novo fôlego ao regime. Em agosto de 1870 as tropas de Napoleão III invadiram a Alemanha. O resultado não foi o esperado: em 02 de Setembro o imperador foi capturado pelo exército de Bismarck junto a 100 mil soldados.

Freqüentemente as guerras têm conseqüências revolucionárias. Em 04 de Setembro é proclamada a República e um novo “Governo de Defesa Nacional” é instalado. Além do exército regular, uma milícia popular de 200 mil, a Guarda Nacional, declararam-se dispostos a defender a Paris sitiada pelas tropas de Bismarck. Porém o povo em armas era muito mais perigoso para este governo provisório do que o próprio exército de Bismarck. Dessa forma o governo tentou ganhar tempo para que os efeitos da crise econômica minassem a resistência do povo, enquanto, secretamente, abriam-se negociações com a Alemanha.

Os rumores de negociações com Bismarck provocaram uma série de manifestações. Em 08 de Outubro a queda de Metz, cidade do nordeste francês, provocou uma manifestação de massas; em 31 do mesmo mês, vários contingentes da Guarda Nacional, liderados pelos blanquistas, atacaram e ocuparam momentaneamente o Hotel de Ville, sede do governo provisório. Neste momento a direção blanquista não possuía o devido reconhecimento das massas de trabalhadores para se opor ao governo. A insurreição ficou isolada. Blanqui caiu na clandestinidade e Flourens, o valoroso comandante dos batalhões de Belleville, foi preso.

À medida que o cerco a Paris tornava as condições de vida das massas cada vez mais terrível, o governo deixava cada vez mais claro seu intuito de capitular. Os planos do governo tiveram o efeito contrário; ante a rendição aos alemães e com a ameaça da restauração monárquica a Guarda Nacional sofreu uma transformação: um “Comitê Central da Federação de Guardas Nacionais” foi eleito, representando 215 batalhões, equipados com 2.000 canhões e 450 mil armas de fogo. Novos estatutos foram adotados, os Guardas Nacionais passaram a ter o direito absoluto de eleger seus dirigentes e revogá-los a qualquer momento.

O governo provisório que já havia fugido para Versalhes não podia permitir esta situação de “duplo poder”. Às 3 da manhã do dia 18 de Março de 1871, 20 mil soldados regulares foram enviados para recuperar os canhões, mas uma multidão de trabalhadores, incluindo mulheres e crianças cercaram a operação, logo depois chegaram os Guardas Nacionais. O resultado foi a confraternização entre a multidão, os soldados regulares e a Guarda Nacional. O pouco que restava do governo provisório deixou Paris. Ao final da noite de 18 de Março o Comitê Central se deu conta que era, em efeito, o governo de um novo regime revolucionário apoiado no poder armado da Guarda Nacional!

O Comitê Central da Guarda Nacional preocupou-se demasiadamente em dar legitimidade ao novo governo que emergira, por isso convocou eleições, que só vieram a acontecer em 26 de março. E assim o Comitê Central da Guarda Nacional foi substituído pelo governo oficial da Paris revolucionária. De seus 90 membros, 25 eram trabalhadores, 13 eram membros do Comitê Central da Guarda Nacional e 15 eram membros da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional). Este tempo foi muito bem aproveitado pelos representantes do antigo governo em Versalhes, que aproveitaram para reagrupar forças.

Durante o período em que esteve vigente o governo revolucionário, todos os decretos adotados tiveram caráter inequivocamente socialista. A igreja foi separada do estado, a religião foi declarada assunto privado; casas foram confiscadas para os sem-teto; a educação pública foi aberta a todos, assim como os teatros e os centros culturais; os trabalhadores estrangeiros foram considerados irmãos e irmãs, etc. Reuniões eram realizadas dia e noite, nas quais homens e mulheres comuns discutiam sobre os diferentes aspectos da vida social e como poderiam ser organizados em função dos interesses do bem comum.

Mas em 21 de Maio os comunards não puderam mais deter o avanço das tropas inimigas. Os homens de Thiers tomaram a cidade e promoveram uma matança de mais de 30 mil homens, mulheres e crianças; e as execuções continuaram nas semanas seguintes e até mesmo meses. A reação empreendeu todas as suas forças para tentar aniquilar o exemplo da Comuna, tentaram eliminar toda a sua memória, mas falharam.

Como marxistas não nos devemos limitar aos episódios históricos e sim tirar todas as lições necessárias para preparar a vitória definitiva. Karl Marx, que escreve A Guerra Civil na França no calor dos acontecimentos, registra nesta obra as devidas conclusões à luz do movimento vivo do proletariado parisiense. As questões fundamentais salientadas por Marx foram, são e serão enfrentadas em cada processo revolucionário, passados, atuais e futuros.

Como utilizar o velho aparato estatal herdado do velho regime em benefício da revolução? Como serão escolhidos os novos representantes e como serão controlados? Como evitar o arrivismo pessoal? A Comuna de Paris trouxe consigo as primeiras respostas. Marx, em A Guerra Civil na França caracteriza o Estado herdado pela Comuna:

“Mas a classe operária não pode limitar-se simplesmente a se apossar da máquina do Estado tal como se apresenta e servir-se dela para seus próprios fins.

O poder estatal centralizado, com seus órgãos onipotentes – o exército permanente, a polícia, a burocracia, o clero e a magistratura, órgãos criados segundo um plano de divisão sistemática e hierárquica do trabalho – procede dos tempos da monarquia absoluta e serviu à nascente sociedade burguesa como uma arma poderosa em suas lutas contra o feudalismo.

À medida que os progressos da moderna indústria desenvolviam, ampliavam e aprofundavam o antagonismo de classe entre o capital e o trabalho, o poder do Estado foi adquirindo cada vez mais o caráter de poder nacional do capital sobre o trabalho, de força pública organizada para a escravização social, de máquina do despotismo de classe. Depois de cada revolução, que assinala um passo adiante na luta de classes, revela-se com traços cada vez mais nítidos o caráter puramente repressivo do poder do Estado.”

Além da caracterização do Estado, Marx relata em detalhes muitas das atitudes tomadas pelos parisienses para superar o velho regime e para pôr fim ao sistema de exploração, como por exemplo, o primeiro decreto da Comuna que suprimiu o exército permanente e o substituiu pelo povo armado. É de fundamental importância a leitura do texto original, não é possível aqui reproduzir a profundidade da análise. Em O Estado e a Revolução, Lênin sintetiza as medidas mais importantes adotadas pela Comuna, em quatro pontos:

“eleições livres e democráticas para todos os cargos do governo e revogáveis a qualquer momento; nenhum funcionário receberá mais do que um trabalhador qualificado; nem polícia nem exércitos permanentes, e sim o povo em armas; gradualmente, todas as tarefas da administração devem ser realizadas por todos em turno: quando todos são burocratas por turnos, ninguém é burocrata”.

Estas medidas são válidas até hoje.

Quanto aos métodos de luta do proletariado na superação do velho Estado, Engels tem muito a nos dizer. No prefácio de A Guerra Civil na França, escrito 20 anos depois, Engels chama atenção para o fato de que os membros da Comuna dividiam-se em uma maioria de blanquistas, predominantes também no Comitê Central da Guarda Nacional, e uma minoria composta por membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, entre os quais prevaleciam os seguidores de Proudhon. Os blanquistas eram socialistas apenas por instinto revolucionário e proletário, não tiveram contato com o socialismo científico alemão, e isso explicava porque não realizaram as tarefas necessárias no terreno econômico. Detiveram-se respeitosamente ante os portões do Banco da França. Nas palavras de Engels: “o Banco da França teria valido mais do que dez mil reféns”.

Apesar dos erros cometidos pela Comuna e apesar de formada por Blanquistas e Proudhonianos a Comuna tomou a decisão de organizar a grande indústria, inclusive a manufatura, não só na associação dos operários dentro de cada fábrica, como também procuraram unificá-las em uma grande federação, conduzindo-os ao comunismo, justo o contrário do defendido por Proudhon. Como disse Engels “vinte anos mais tarde a escola Proudhoniana desapareceu dos meios operários franceses; neles, atualmente, predomina a doutrina de Marx”.

Os blanquistas não tiveram melhor sorte. Os blanquistas acreditavam que um grupo relativamente reduzido de homens decididos e bem organizados estaria em condições de se apoderar e dirigir o Estado e seriam capazes de arrastar as massas para a revolução e congregá-las em torno de um pequeno grupo dirigente. Para Engels isto conduziria a mais rígida e ditatorial centralização de todos os poderes nas mãos do governo revolucionário. Entretanto, o que fez a Comuna formada em sua maioria por Blanquistas? A Comuna adotou medidas diametralmente opostas, a Comuna preveniu-se contra seus próprios dirigentes, estes eram demissíveis a qualquer momento e sem exceção, e recebiam um salário não superior ao dos trabalhadores.

Trotsky, em 1921, também escreveu um excepcional artigo sobre a Comuna de Paris, As lições da Comuna, em comemoração a seus 50 anos, já sob a luz da experiência da revolução russa. A Revolução revelara o papel fundamental de um partido com quadros experimentados, sem o qual a Revolução Russa não teria sido levada até o seu final. Começa por caracterizar tal partido:

“O partido operário – o verdadeiro – não é um instrumento de manobras parlamentares, é a experiência acumulada e organizada do proletariado. Somente com a ajuda do partido, que se apóia em toda sua história passada, que prevê teoricamente a direção que tomará os acontecimentos e suas etapas, e define as linhas de atuação precisas, pode o proletariado libertar-se da necessidade de recomeçar constantemente sua história: suas dúvidas; sua indecisão; seus erros”.

Tal partido não existia na Paris de 1871. Demorou seis meses para que o proletariado recuperasse a memória das revoluções anteriores e tomasse o poder. As condições para a tomada do poder já estavam dadas em Setembro de 1870. Mesmo em Março a Comuna poderia ter acabado com o governo que fugiu para Versalhes. Ninguém sairia em defesa dos traidores, mas ninguém pensou nisso. “Tais decisões só podem ser tomadas pelo partido revolucionário que espera uma revolução, que se prepara para ela, se mantém firme, e não teme a ação”.

Diferentemente dos bolcheviques em 1917, que lutavam conscientemente pela tomada do poder, os dirigentes revolucionários de Paris iam a reboque dos acontecimentos. Mas, por outro lado, foi a experiência da Comuna que revelou a necessidade de tal partido, e os conseqüentes revolucionários extraíram essas lições da experiência viva. Foram Marx, Engels, Lênin e Trotsky quem melhor galvanizaram essas experiências. Cabe a nós não repetir os mesmos erros do passado, estudando atentamente cada detalhe da experiência viva do proletariado.

A Comuna de Paris foi o primeiro ensaio da Revolução Proletária mundial, outras Comunas virão e devemos estar preparados para pôr em prática tudo aquilo que a luta do proletariado nos ensinou.

Viva a Comuna de Paris!
Viva a Revolução Proletária Mundial!

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