A chacina de Osasco e Barueri e o papel da polícia

A chacina em Osasco e Baruri, que provocou a morte de 19 pessoas, mostra uma vez mais os métodos usados pela polícia nas periferias e o seu papel social.

A cidade de São Paulo e o Brasil têm taxas de homicídios entre as mais altas do mundo e isso é veiculado todos os dias nos jornais da mídia burguesa. Porém, no mesmo Brasil, na mesma justiça e na mesma mídia há dois tipos de notícias e procedimentos para homicídios e as definições de cada “tipo” são bastante claras. O primeiro caso é o da estatística; do mesmo modo que se divulga a previsão do tempo ou qualquer outro fato cotidiano, se transformam os homicídios em números e gráficos, a notícia não choca nem comove, ninguém chora pela morte de “15,1 mortos para cada 100 mil habitantes”, algo impessoal e sem um objetivo concreto, pois não mostra os culpados nem mesmo as causas e é assim que a maioria dos homicídios são noticiados, sem nenhuma perspectiva de solução por parte da justiça.

Dentro dessa estatística, estão os casos cotidianos que a mídia não entra em detalhes: são pobres, muitas vezes negros, fora das áreas nobres das grandes cidades e sem um apelo popular (como, por exemplo, um sequestro a um ônibus que dura 20 horas e é exibido por todas as televisões ao vivo) e, mesmo nesse último caso, não é garantido que seja noticiado.

Já outro tratamento é dado para crimes onde a vítima tem outros requisitos: ser rico, morar em um bairro nobre, ter uma profissão de prestígio (ser médico ou empresário), entre outros. Nesse caso o homicídio não é apenas um número que se soma às estatísticas, é sempre um “assassinato brutal” que mobiliza as autoridades, de assembleias legislativas ao congresso nacional, que faz o judiciário se mobilizar para acelerar o julgamento, enfim, o homicídio nesse segundo caso é o único que de fato é crime no Brasil, mesmo com a constituição brasileira garantindo a “inviolabilidade da vida humana”, faltou dizer que era para qualquer ser humano, brasileiro ou estrangeiro, rico ou pobre.

A chacina que aconteceu em Osasco e em Barueri (na região da Grande São Paulo) foi noticiada pelos meios de comunicação como sendo uma “vingança” por parte da Polícia Militar de São Paulo aos bandidos que assassinaram um policial, na mesma região, naturalizando a atitude dos suspeitos pelo assassinato e tentando justificar os crimes. Em primeiro lugar, vale esclarecer que a vingança não é uma medida prevista em nenhum mecanismo legal como forma de fazer justiça; em segundo lugar, as vítimas sequer foram acusadas de algum crime, foram mortas de forma brutal e sem a menor possibilidade de defesa, condenadas a um crime que não cometeram, por criminosos que recebem do Estado para matar e reprimir.

Os mortos dessa chacina são 19, apenas números para o Estado e para a imprensa, mas são 19 vidas, são 19 mães que choram, são 19 famílias que gritam por justiça, mesmo sabendo que ela dificilmente virá, pois a justiça tem olhos e ouvidos atentos quando o crime envolve um banco, quando se ocupa um terreno por falta de moradia (o que nem é, ou ao menos não deveria ser crime), mas não faz nada quando o grito vem da periferia. São 19 pessoas assassinadas multiplicado pelo sofrimento que chega ao infinito de cada família que viu que a arbitrariedade do Estado não é só quando falta água na torneira, não é só quando falta transporte público para se chegar ao trabalho, não é só quando falta lazer na periferia, é parte do sofrimento diário que se junta à dor de uma vida ceifada sem explicação.

A polícia brasileira carrega consigo a tradição vinda da ditadura (Com a Lei de Segurança Nacional) que trata o cidadão como inimigo, defendendo a “ordem vigente acima de tudo”. A classe trabalhadora não tem a mínima garantia do cumprimento da lei, a polícia está lá para garantir que a ausência de todos os outros órgãos públicos não seja o estopim para uma revolta ainda maior, está lá para garantir que na luta de classes se faça valer o desejo da minoria rica, classe dominante, frente à maioria, classe dominada. A policia que durante as manifestações nas jornadas de junho de 2013 não mostrou o menor pudor em atirar em jornalistas, em estudantes e em qualquer um que saísse às ruas, tem menos vergonha ainda de usar as balas de metal (não de borracha) para matar na periferia.

A chacina de Osasco adicionou 19 vidas na lista de crimes imperdoáveis que o Estado cometeu defendo a classe dominante, burguesia, provando que não existe a mínima possibilidade de se confiar ou mesmo reformar essa polícia, o problema não é o seu modelo “militar” de organização, o problema é a policia, seja a guarda civil, seja a polícia civil, seja a militar, não importa como ela se organize, o que importa é o “para que se organiza”, para matar trabalhador, para desocupar terrenos, para reprimir estudantes e no final para sempre defender a propriedade privada, se for necessário, inclusive acima da vida de muitas pessoas.

O Luto da chacina, dessa última e de todas as outras chacinas, é o luto de anos de exploração e mortes que a classe dominante sempre ofereceu à classe trabalhadora, luto esse que só será apenas uma lembrança quando vier junto à revolução proletária. Até lá é a luta que vem na frente e alavanca o nosso cotidiano.

E como na letra de um RAP, que transforma a violência, parte da vida na periferia, em música e poesia já refletia sobre isso há muitos anos, diz:

“[…] Cadê os mano do role morreu porque? Você vai ver não tem porque.

Sempre o mesmo motivo. Porque governo que fodê. Poder e dinheiro

Bocada puteiro futebol. Cobre o direito dos homens como um lençol

Novela das sete cobre o das mulheres. Sistema sabe onde investe

Confere! Confere! Só tem vaga pra trampar na policia militar

Corrupção vai aumentar. Os mano vai arrebentar

Então como esperar um bom lugar. Assim não dá…[…]” RZO – Pirituba Parte II