108 manifestantes são denunciados como criminosos por ocupar a Câmara de Vereadores de Campinas

O Judiciário começou a intimar os jovens que foram denunciados pela Ocupação da Câmara de Vereadores de Campinas, realizada na noite de 07 de agosto de 2013. Além dos 108, temos 30 jovens, menores de idade, sendo processados na Vara da Infância e Juventude. Após ilegalidades cometidas durante a fase policial, a denúncia é bastante pedagógica ao representar a lógica de criminalizar as lutas sociais.

O Judiciário começou a intimar os jovens que foram denunciados pela Ocupação da Câmara de Vereadores de Campinas, realizada na noite de 07 de agosto de 2013. Além dos 108, temos 30 jovens, menores de idade, sendo processados na Vara da Infância e Juventude. Após ilegalidades cometidas durante a fase policial, a denúncia é bastante pedagógica ao representar a lógica de criminalizar as lutas sociais. Devemos ter toda solidariedade aos denunciados e somar forças para apresentar o Projeto de Lei que concede anistia aos que lutam pelos direitos sociais.

A ocupação

A ocupação da Câmara de Vereadores de Campinas foi parte das justas manifestações que sacudiram o país desde junho do ano passado, e que criaram uma nova situação política no Brasil. Tal ocupação foi duramente reprimida pela Tropa de Choque da Polícia Militar a mando do presidente da Câmara, Campos Filho (DEM), sem mandato judicial e com a habitual truculência da PM, inclusive retirando com violência dezenas de mulheres sem uso de efetivo policial feminino. 

Após várias tentativas de negociação com a Câmara, seu presidente (Campos Filho – DEM) afirmou que não se abriria nenhuma CPI para investigar os lucros das empresas que controlam o transporte, que não haveria passe-livre para estudantes e desempregados, e, pior ainda, que a Câmara estava disposta a aumentar os subsídios para os empresários do transporte. Foi a gota d´água para que as mobilizações semanais que estavam ocorrendo assumissem um novo patamar de enfrentamento, diante da absurda postura adotada.

Na quarta-feira, dia 07 de agosto de 2013, milhares de jovens realizaram um ato público pelas ruas de Campinas, saindo do Centro em direção à Câmara de Vereadores. Os manifestantes reivindicavam melhorias no transporte público, além de verbas para saúde e educação. A pauta havia sido entregue há um mês. Os manifestantes pediam tarifa zero, a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Transportes, além da saída do Secretário de Transportes, Sérgio Benassi. A maioria dos vereadores, aliada ao Prefeito Jonas Donizete (PSB), recusou todos os pedidos.

A ocupação ocorreu por volta das 19h30. Neste instante iniciava-se a uma sessão ordinária da Câmara. Com a entrada dos manifestantes, a maioria deles saiu do plenário. Depois de mais de uma hora, pelo sistema de som da Câmara, seu presidente, Campos Filho (DEM), asseverou que não teria qualquer negociação e que eles deveriam sair imediatamente da Câmara.

Os jovens e trabalhadores presentes apresentaram novamente suas reivindicações. Depois de mais de duas horas, sem quaisquer avanços nas negociações, diante da intransigência do presidente da Câmara, os manifestantes haviam concordado em desocupar a Câmara de Vereadores de forma pacífica, desde que fosse apresentado aos mesmos um mandado judicial.

Após a intransigência do presidente da Câmara, o comando da PM deu um prazo de dez minutos para os que quisessem sair pacificamente e, em passado o prazo, os militares se revezaram em grupos que, gradativamente, entrava no plenário para a remoção forçada de um a um dos jovens. Destaca-se que mesmo os manifestantes que saíram neste prazo de dez minutos, foram presos assim que saiam do plenário da Câmara, indiciados da mesma forma.

Entretanto, de forma truculenta e ilegal, vez que ocorreu sem um mandado judicial, por volta das 22h30, a tropa de choque da Polícia Militar, que foi acionada pelo presidente da Câmara, retirou os manifestantes à força e os encaminhou à delegacia, utilizando-se de dois ônibus da PM que estavam previamente estacionados em frente à Câmara.

“Os bandidos foram presos, levados para a cadeia, fichados um por um. Estes facínoras inconsequentes, que acabaram sendo punidos e agora serão responsabilizados pelos danos que cometeram”, disse Campos Filho, à época (http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/08/tropa-de-choque-entra-na-camara-de-campinas-e-tira-manifestantes-forca.html).

Vejamos os termos usados pelo presidente da Câmara – “bandidos e facínoras inconsequentes”!!!

Na madrugada, na Delegacia foram recolhidos os dados pessoais dos manifestantes detidos, e depois foram todos liberados.

Um dos advogados que deu apoio jurídico aos manifestantes no dia dos fatos, Vandré Paladini Ferreira, disse que pessoas relataram agressões por parte da PM. “Tem uma menina que a gente não sabe pra onde foi, ela estava passando muito mal, foi muito agredida”, disse o defensor. Segundo ele, várias mulheres que estavam na Câmara se queixaram de violência policial.

Esclarece-se que muitas delas fizeram exame de corpo de delito e houve a constatação de agressões.

O advogado Vandré Paladini Ferreira criticou a maneira como a ação foi conduzida. “Deveria ter sido respeitado o procedimento da autoridade judiciária para autorizar a reintegração de posse, e esse procedimento foi suprimido”, disse o defensor (http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/08/policia-investigara-dano-patrimonio-apos-ato-na-camara-de-campinas.html)

O presidente da Câmara ressaltou que fará um levantamento dos bens perdidos e cobrará dos responsáveis o prejuízo: “A Câmara vai atrás deles, da família e vai responsabilizá-los para que eles ressarçam o prejuízo causado à cidade de Campinas”.

Tal procedimento levou às esdrúxulas situações, com pais de jovens sendo convocados para depor em processo administrativo da Câmara, onde todos os pais afirmaram categoricamente que seus filhos “ali estavam por vontade própria, que lutavam para mudar o país, lutavam pela justa bandeira de melhorias no transporte público e que não aceitavam esta criminalização dos jovens que estão nas ruas, tentando melhorar a cidade, diferentemente desta maioria de vereadores que só pensa em seu curral eleitoral, seus privilégios e interesses pessoais”.

Judicialmente, é certo que cerca de 30 jovens, menores de idade, estão sofrendo processo no âmbito da Vara da Infância e Juventude. Reproduz-se, aqui, novamente a lógica criminalizante, atingindo menores de idade, que participavam, legitimamente da ocupação da Câmara como forma de expressar, democraticamente, a luta pelos direitos sociais. Os pais reafirmaram em Juízo o que afirmaram no processo administrativo, combatendo duramente a concepção de que os jovens estariam ali de forma aliciada e ilegal. Responderam de forma contundente “que seus filhos estavam defendendo direitos e que não estamos mais na ditadura para seguir sendo reprimido”.

Destaca-se que os vereadores Paulo Búfalo (PSOL), Pedro Tourinho e Carlão (PT) tiveram condutas importantes de apoios aos manifestantes, buscando intermediar as negociações com o presidente da Câmara e com os vereadores da base do governo, para, primeiro, atender as reivindicações quanto à abertura da planilha dos custos do transporte municipal, e depois, de buscar evitar tamanha repressão e uso da força policial para retirada dos jovens da Câmara.

Tal fato é importante para destacar que esses vereadores explicaram que o mais prudente seria aguardar uma decisão judicial, procedimento que estava sendo adotado em outras câmaras de vereadores de outras cidades, como no Rio de Janeiro e Salvador. Por isso, afirmaram que não foram coniventes com a atitude do presidente da Câmara Campos Filho (DEM), que confirmou que não pediu autorização judicial para amparar a retirada dos manifestantes com força policial. “São pessoas que só entendem a linguagem policial. Então, não houve interferência policial porque a Justiça mandou, não. Quem mandou foi o presidente da Câmara, apoiado pelos vereadores. Se acontecer de novo, eu vou agir da mesma maneira”, disse Campos Filho. (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1323338-apos-acao-da-pm-ocupacao-da-camara-termina-com-mais-de-70-detidos-em-campinas.shtml)

Portanto, o que vimos foi mais uma vez não apresentar nenhuma resposta às reivindicações populares, a não ser a repressão e a criminalização, utilizando-as como forma de tentar calar as mobilizações. 

As ilegalidades na prisão coletiva

Todos que permaneceram no plenário da Câmara foram retirados à força, e levados pelos ônibus da PM à Delegacia. A acusação aos jovens é pelos crimes de dano ao patrimônio público, desobediência e resistência.

O primeiro pelo fato de ter havido depredação do plenário por alguns manifestantes que quebraram mesas, cadeiras e danificaram parte das instalações elétricas. Se o próprio Delegado indica serem “alguns” manifestantes, como podem levar à Delegacia, o Delegado indiciá-los, a Promotoria denunciá-los e o Juiz processá-los, se não foram todos que realizaram as supostas condutas criminosas?

Os outros dois crimes que constam no relatório devem-se ao fato de os jovens não terem saído do plenário após tentativa de negociação pela Polícia Militar, que foi acionada pelos vereadores. Ocorre que muitos manifestantes que saíram espontaneamente também foram levados à Delegacia, foram indiciados, denunciados e agora estão sendo processados, por crimes que claramente não cometeram, de desobediência e resistência.

De qualquer forma, resta bastante evidente, que é incabível apontar a conduta criminosa de desobediência e resistência quando tal desocupação da Câmara ocorreu sem qualquer mandado judicial, sem qualquer processo de negociação, diferindo, inclusive, dos demais casos de ocupações de Câmara que estavam ocorrendo em todo o Brasil, e ainda, pelas ilegalidades, essas sim, cometidas pelo Presidente da Câmara.

O ataque contra os assessores de vereadores da oposição

Como parte da lógica da criminalização, vimos que houve vários processos administrativos contra assessores dos vereadores da oposição, que, presentes na Ocupação, ajudaram a mediar as negociações. Entretanto, para o Presidente da Câmara, a lógica é de intimidação dos mesmos e atrelá-los à criminalização, com o objetivo, inclusive de afastá-los de suas funções. O mesmo vem ocorrendo com manifestantes que são servidores públicos municipais, mas que estavam na ocupação como qualquer cidadão, reivindicando direitos e agora sofrem perseguições e ameaças.

O advogado Vinicius Cascone, que é um dos defensores dos manifestantes, afirmou que a apuração da Prefeitura antes mesmo da sentença da Justiça é prematura e, a ele, soa como uma forma de perseguição política aos funcionários. “Tem um processo inteiro pela frente e eles podem ser absolvidos. Judicialmente falando, eles são só acusados”, afirmou.

Ex-vereadora indiciada, como forma de intimidação

Não obstante a abusiva conduta de criminalização, a corregedoria da Câmara de Vereadores, informou que a suplente de vereador, Marcela Moreira (Psol) está entre os cem indiciados. Segundo o vereador Cidão Santos (Pros), Marcela será investigada caso assuma uma cadeira no Legislativo. “Quando ela assumir, abriremos processo de quebra de decoro”, disse o vereador.

A ex-vereadora caracteriza como uma ameaça o posicionamento da corregedoria. “Sou uma cidadão e eles estão me acusando antes mesmo de eu ser julgada. A única coisa que fiz  foi pegar o megafone para pedir calma e cobrar a CPI dos Transportes”, relatou.

Absurda criminalização de partidos políticos

Vale destacar ainda que em fevereiro de 2014, o PSTU e PSOL de Campinas receberam intimações destinadas aos seus respectivos presidentes do Diretório Municipal dos Partidos para prestarem depoimentos no 5° Distrito Policial de Campinas. Trata-se de uma clara perseguição às organizações políticas da juventude e da classe trabalhadora, tendo em vista que criminaliza um partido político, legalmente reconhecido, para além das condutas de seus militantes individualmente. Resta clara que tal conduta arbitrária do Delegado é mais uma tentativa de criminalizar não somente os ativistas e militantes que participaram desta ocupação, mas também as organizações do movimento operário e social que lutam contra as políticas de transporte imposta pelos governos municipal, estadual e federal.

Ilegalidades na fase policial

O delegado Hamilton Caviola, titular do 5º D.P. finalizou o inquérito do caso em 31 de março de 2014 e indiciou, como vimos, cento e oito manifestantes por dano ao patrimônio, resistência e desobediência. Segundo ele, a Polícia Civil entendeu que todos os presentes na ocupação foram responsáveis pelos crimes direta. Caviola arbitrariamente e ilegalmente, decidiu não individualizar as acusações porque entende “que todos estavam envolvidos no ato, já que decidiram permanecer no local, embora não tenham agido de forma mais radical”.

Ou seja, não houve individualização das condutas, apontando eventual responsabilidade individual de cada manifestante, mas sim uma absurda criminalização genérica, e, por isso, ilegal. Vinícius Cascone, um dos advogados dos manifestantes, refuta a ideia do indiciamento coletivo. “É preciso individualizar cada caso para que o processo seja julgado”, disse.

Um dos líderes do movimento Frente Contra o Aumento da Passagem, Filipe Jordão, criticou o fato de a polícia fazer as acusações de forma unânime sem analisar a conduta de cada pessoa que participou da manifestação. “Entendemos que essa é uma forma de criminalizar o movimento quando o indiciamento atinge todos”, disse. (http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/03/capa/campinas_e_rmc/161191-policia-indicia-108-pessoas-por-ocupacao-da-camara.html)

As ilegalidades no processo judicial

Com a desocupação da Câmara de forma truculenta e violenta, vimos inúmeras contradições em toda a fase policial, com graves ilegalidades que apontamos até agora, nos levam a constatar a óbvia ação de criminalização das lutas sociais que está em jogo.

Não obstante, o relatório realizado pelo Delegado foi encaminhado ao Ministério Público que realizou a denúncia de 108 manifestantes.

A denúncia foi recebida pelo Juízo da 6ª Vara Criminal de Campinas, fazendo com que tenhamos agora um processo (nº 3035373-39.2013.8.26.0114), considerando que os 108 manifestantes são réus pelos crimes de DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO (artigo 168, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, com pena de detenção de 6 meses a 3 anos e multa), DESOBEDIÊNCIA (Art. 330 do Código Penal, com pena de detenção, de 15 dias a 6 meses) e RESISTÊNCIA (Art. 329 do Código Penal, com pena de detenção, de 2 meses a 2 anos).

Os manifestantes seguirão apontando, por meio de suas assessorias jurídicas, todas as contradições deste processo de criminalização das lutas sociais, desde as questões técnicas, que mostram ausência de tipicidade, juridicidade e culpabilidade, até demonstrar como o caso concreto resulta de uma lógica de criminalização muito mais ampla, expressa pela dinâmica da luta de classes e o aumento crescente da repressão as lutas sociais nos últimos anos.  

A lógica da criminalização e a campanha do Projeto de Lei da Anistia

Desta forma, o que verificamos neste caso é mais uma tentativa de silenciar a organização da luta da juventude e da classe trabalhadora.

Justamente por isso, a Esquerda Marxista, juntamente com outros movimentos sociais, impulsiona uma importante campanha para denunciar a absurda onda criminalizante das lutas sociais em plena vigência da Constituição Federal de 1988, que garante o direito à lutar pelos direitos sociais e não ser criminalizado por isso.

O presente Projeto de Lei concede anistia às pessoas e lideranças dos movimentos sociais, sindicais e estudantis que participaram de greves, ocupações de fábricas, terras e imóveis, instituições de ensino, manifestações e atividades públicas, bem como revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) em todos os seus termos e efeitos.

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversos passos no que tange à democracia política e às garantias sociais. Superando o regime ditatorial que assolou o país de 1964 a 1985 e instaurando formalmente um regime democrático, a presente Constituição possibilitou a expansão de direitos e a participação do povo nos rumos políticos, econômicos e sociais do país.

No entanto, apesar da assegurar direitos e garantias de interesse da população e da abertura institucional do Estado, é clara a permanência de realidades de extrema pobreza e negação material de direitos, o que provoca reações de enfrentamento e de solidariedade que se traduzem em ações políticas.

Assim, inúmeros são os conflitos envolvendo questões de terra, com a luta pela reforma agrária; questões envolvendo reforma urbana, com ocupações de áreas e prédios públicos ou privados, para fins de moradia; ocupações de fábricas, na luta pela manutenção dos empregos pelos trabalhadores; tudo isso convivendo com restrições ao direito constitucional do direito de greve, com a aplicação recorrente de interditos proibitórios; perseguições políticas, com demissões de sindicalistas; ameaças às lideranças dos movimentos sociais; manifestações públicas, conflituosas ou não, envolvendo diversos setores sociais empenhados na defesa de diferentes causas, etc.

Aqui estamos diante de um caso concreto de uma ocupação de um prédio público. E não um simples prédio público, mas a “Casa do Povo”, a casa legislativa municipal, com sessões públicas e que deveria incentivar a participação da população.

Assim como no caso concreto, inúmeros são os atos violentos e arbitrários praticados contra estes cidadãos, seja por parte da polícia, com espancamentos, prisões arbitrárias e até mesmo execuções, seja por parte de particulares, através de milícias e justiceiros obedientes ao poder econômico, que agem muitas vezes com a aquiescência de agentes públicos.

Aliada a essa repressão originada, via de regra, nas iniciativas do Poder Público, o Poder Judiciário e o Ministério Público veem cumprindo um papel preocupante: intensificam o processo de tentativa de subordinação destes setores, judicializando friamente questões que envolvem luta política. É o que vemos, mais uma vez, com este caso emblemático de criminalização coletiva das lutas sociais.

Nesse sentido, o que temos visto é que o atual processo de criminalização de cidadãos, lideranças, defensores de direitos humanos e movimentos envolvidos com as reivindicações populares ou mesmo na busca de uma nova realidade social cria um ambiente de exceção que demonstra a limitação e a fragilidade da democracia tão arduamente conquistada.

Esta inaudita crescente criminalização, dos que lutam socialmente e coletivamente por suas reivindicações ou por mudanças na atual sociedade, deve ser reconhecida como um empecilho para o desenvolvimento social, para o progresso e a felicidade humana. Todo progresso social sempre teve como base a luta da atualidade contra o estabelecido no passado e que como correntes impedem futuro e o desenvolvimento humano e social de nascer e se desenvolver.

No entanto, a fim de consolidá-la e expandi-la, é premente a construção de salvaguardas que diferencie as ações criminalmente censuráveis, praticadas por delinquentes e criminosos comuns, daquelas diretamente relacionadas com as organizações e cidadãos envolvidos com a busca da chamada justiça social, cujo programa reflete-se, sobretudo, na efetivação das garantias sociais presentes na Constituição Federal de 1988, e nas fontes de ideias intimamente relacionadas com os anseios da população brasileira, na busca de uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3°, I). Garantias essas, reforçadas pelo art. 6º da Constituição Federal, que apregoa: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”

É bom, para tanto, lembrarmos do preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos, que corrobora esse compromisso constitucional “(…) considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.

São princípios inscritos em cada um de seus artigos que elevam a promoção da dignidade humana aos patamares do direito internacional, em consonância com os demais Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) reforçou a compreensão desta problemática, “Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos” (Preâmbulo).

No Brasil, cotidianamente, na busca da efetivação destes direitos, muitos são criminalizados! É o que vemos com os jovens e trabalhadores que ocuparam a Câmara de Vereadores de Campinas.

Há que se destacar, no plano do ordenamento jurídico brasileiro, que o fato deve ser típico e antijurídico para ser considerado crime, não podendo ser criminalizado quando fundamentado no exercício regular do direito e amparado pelos limites autorizadores da legislação vigente.

Por outro lado, a utilização da Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013) ou a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983) é flagrantemente inconstitucional, possui conteúdo contrário à democracia e às garantias fundamentais quando aplicada com o objetivo de coibir manifestações populares, posto que ignora direitos já conquistados na Constituição de 1988, a saber, o direito à reunião e organização política.

Essa legislação, que chega a nominar “subversivos”, trata-se de medida de exceção aprovada no contexto dos resquícios da ditadura militar de 1964, e hoje segue invocada para legitimar a repressão política.

Esse processo de endurecimento penal e repressivo fortalece a criminalização dos manifestantes e dos movimentos sociais na luta por direitos e visa neutralizar as reivindicações populares, cujos inúmeros exemplos, já levaram o Brasil, na qualidade de transgressor das normas internacionais de direitos humanos, a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Assim, a fim de se alcançar uma urgente transformação na forma com que tais conflitos são tratados pelo sistema de justiça e contribuir na realização ideal do ser humano, é imprescindível promover o arquivamento das ações penais e inquéritos judiciais instaurados, bem como a revogação das penas aplicadas aos que foram criminalizados em virtude de seu envolvimento com a defesa dos direitos humanos.

Urge obter-se, ainda, enquanto premissa necessária à existência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, ou seja, o fim da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), anulando todos os processos criminais nela fundamentados e todos os seus efeitos.

Ademais, é importante considerar que o reencontro do atual caminho democrático iniciou-se com a anistia conquistada através da Lei 6.683/1979, encerrando os efeitos das medidas ditatoriais do regime militar, sobremaneira, com a abertura política formalmente conquistada em 1985 e formalizada através da Constituição Federal de 1988.

Importante citar que esta mesma Constituição expandiu os efeitos da anistia sancionada em 1979, abarcando inclusive o período democrático anterior à sua promulgação, demonstrando que este remédio não é exclusivo de regimes de exceção mas, sobretudo, de períodos democráticos mal consolidados, cujo diálogo com o povo ainda não foi amplamente constituído.

A permanência do aparato repressivo do regime militar, com sua ideologia autoritária, é apenas um dos elementos da mácula ainda persistente em nosso país. A intolerância contra reivindicações legítimas do povo compromete os objetivos da nossa Carta Magna, que reconhece a soberania popular e preceitua a liberdade política como um de seus fundamentos.

Por tudo isso, a concessão da anistia aos que legitimamente se insurgiram a fim de efetivar direitos e garantias sociais para si ou para toda a sociedade e cujos atos foram injustamente tipificados penalmente como crimes, é um passo fundamental rumo a um novo Brasil, em que a liberdade e a igualdade se solidifiquem realmente como valores supremos.

Assim, no caso desta Ocupação da Câmara de Vereadores de Campinas, nem mesmo a denúncia deveria ter sido recebida, pois juridicamente incompatível com os pressupostos constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito.

Carta de juristas e Acadêmicos em solidariedade

Nesse sentido, importante campanha de solidariedade começou a ser realizada nos últimos meses, com uma carta assinada por dezenas de juristas e professores foi apresentada ao Juiz da 6ª Vara Criminal.

Ao Excelentíssimo Doutor Juiz de Direito da 06ª Vara Criminal de Campinas/SP

Durante 21 anos a história do Brasil foi assolada por um regime ditatorial responsável pelo exílio, prisão, punição, tortura, morte e desaparecimento de milhares de pessoas que lutavam por direitos sociais e democráticos. Apenas os movimentos sociais e a luta da população foram capazes de derrubar a ditadura militar brasileira e contribuir para a construção da democracia.

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem política no país e consagrou o direito à liberdade de manifestação. Neste sentido, o texto constitucional coíbe claramente a reprodução da lógica atroz aplicada pelo regime militar, que identificava ativistas e manifestantes como criminosos e, por seguinte, forças oponentes a serem combatidas.

Infelizmente, a partir das grandes lutas iniciadas em junho de 2013, o Brasil tem assistido ao recrudescimento da violência policial contra manifestações populares e contra a população pobre e negra da periferia das grandes cidades.

No Congresso Nacional tramitam projetos de lei que pregam desde a proibição de greves antes e durante da realização da Copa do Mundo, até o enquadramento de manifestantes em terroristas. É neste contexto que o Ministério da Justiça pretende apresentar um novo projeto de lei para penalizar ainda mais os que ousam lutar para defender seus direitos e suas reivindicações.

Além disso, a utilização da Força Nacional de Segurança foi regulamentada pela Portaria 3.461, do Ministério da Defesa, como instrumento de repressão a mobilizações sociais. A Lei 12.850/2013, por sua vez, possibilita o enquadramento de movimentos sociais como organizações criminosas.

A repressão violenta aos movimentos sociais, a criminalização dos que lutam por seus direitos e os ataques às liberdades democráticas violam a ordem constitucional e não ajudam a construir uma alternativa de futuro mais justo. Muito pelo contrário, a recente escalada de perseguição e punição aos movimentos recupera características do regime militar, contra o qual tantos lutaram para superar.

         O Inquérito Policial 166/2013 (Processo 3035373-39.2013.8.26.0114) e a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual (MPE) estão, sem dúvida, inseridos no marco da criminalização dos ativistas e militantes que lutam para melhorar e garantir direitos. Em Campinas, centenas de estudantes e trabalhadores ocuparam a Câmara dos Vereadores para exigir, entre outras reivindicações, a instauração da CPI do transporte público, a melhoria do serviço e o passe-livre. Não podem, apenas por esse motivo, figurar como réus em uma ação penal.

         Claramente, denota-se que posturas como estas demonstram que a livre manifestação, para exigência de diretos sociais legítimos, está sendo tratada como crime. Isto implica tornar ilegal um dos principais preceitos da nossa Constituição.

         As ações isoladas, nesse sentido, não podem servir de respaldo para as autoridades criminalizarem os ativistas e os movimentos sociais.

         Por todo exposto, é imperioso que Vossa Excelência, ciente da situação que assola o país e certo de que a denúncia do MP não tem outra função senão a de criminalizar o movimento da cidade, não receba a exordial e, ato contínuo, arquive os autos.

No entanto, o Magistrado manteve o recebimento da denúncia e agora segue o desenvolvimento processual. A luta continuará…

Os próximos passos

Portanto, diante do que aqui apresentamos, é evidente o objetivo de criminalizar os manifestantes, jovens e trabalhadores que realizaram a Ocupação da Câmara de Vereadores, como forma de tentar intimidar os que se organizam e lutam, os que denunciaram a farsa dos políticos financiados pelas empresas de transporte que se recusaram a abrir publicamente as planilhas dos custos dos transportes na cidade de Campinas. O Estado Burguês se utiliza de todos seus aparatos para tentar deslegitimar a organização dos movimentos sociais, invertendo a responsabilidade pelos atos ilícitos.

Além de toda a lógica criminalizante que permeia esta fraudulenta ação criminal, neste caso específico, mostramos como pela própria legislação vigente aponta as diversas nulidades na fase policial e agora na denúncia recebida pelo Juiz, rasgando garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito. Assim, toda solidariedade é ainda mais necessária, somando-se forças para que a classe trabalhadora e a juventude não sofra esta absurda condenação coletiva pelo simples direito à lutar. 

A Esquerda Marxista ao longo de sua história, sempre se colocou ao lado daqueles que lutam por uma sociedade sem injustiças, sem exploradores, onde as riquezas produzidas pelos trabalhadores não sejam desviadas para os bolsos de banqueiros e empresários. Somente com as mobilizações dos trabalhadores e da juventude, conseguiremos de fato a barbárie em que vivemos, construindo uma sociedade justa, livre e solidária, o socialismo!

Portanto, a Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, vem afirmar, com a mesma coerência que sustenta em diversos outros casos, que, no que concerne à ocupação da Câmara de Vereadores de Campinas também é que é contrária a todos os inquéritos policiais e processos que visam criminalizar os ativistas e organizações que estão lutando por direitos! Exigimos o arquivamento dos processos e a punição dos policiais, dos vereadores (em especial do Presidente da Câmara) e do governo municipal, responsáveis pelos atos de violência contra os manifestantes! Lutar não é crime!